Nunca foi jabuti: a reforma tributária e a isonomia entre as administrações tributárias

Nunca foi jabuti: a reforma tributária e a isonomia entre as administrações tributárias

Rodrigo Spada: Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais)

A PEC 45/2019, da reforma tributária, foi promulgada em 20 de dezembro. Um momento histórico que, naturalmente, foi retratado com destaque na imprensa nacional. Alguns desses registros, entretanto, traziam a informação de que no bojo da reforma foi aprovado um “jabuti”: a equiparação do teto salarial dos auditores fiscais dos estados e municípios ao teto da União. Não há classificação taxonômica capaz de sustentar ser um jabuti o Destaque 15 aprovado na votação da PEC 45. Explicamos.

“Jabuti”, no jargão político nacional, é quando se insere em uma proposta legislativa um tema sem relação com o texto original só para que ele pegue carona e seja aprovado sem muito alarde no meio de algum projeto. É um subterfúgio, um caminho para a aprovação de medidas indefensáveis à luz do sol.

Definitivamente, esse não é o caso da isonomia entre as Administrações Tributárias. Não tem cara jabuti, não tem cheiro de jabuti.

Olhemos primeiro para a forma. A previsão de teto salarial único foi incorporada à reforma tributária no Senado por emenda admitida pelo relator e aprovada em Plenário. Quando o texto retornou à Câmara, o novo relator optou por suprimir esse trecho. Foi, então, apresentado um Destaque de Bancada para que a questão fosse avaliada em separado. O Destaque foi debatido em Plenário, os líderes encaminharam a votação e orientaram suas bancadas, cada um de acordo com seu juízo e convicção. Um processo político transparente e republicano. Televisionado, inclusive. Nenhuma relação com os jabutis de hábitos noturnos.

Vamos agora à substância do projeto. Ao propor verdadeira revolução no Sistema Tributário Brasileiro, a PEC 45 não se ateve somente à legislação tributária. Foi necessário ir além e cuidar do sistema arrecadatório, tratando também de questões administrativas, como o funcionamento do Comitê Gestor do IBS.

Uma mudança que é responsável por uma das mais disruptivas e necessárias alterações no sistema tributário brasileiro é a que altera o paradigma de trabalho das administrações tributárias. Órgãos que hoje operam fundados na competição gerada pela guerra fiscal passarão a atuar de modo integrado, coordenado e colaborativo. É essencial ao novo modelo, portanto, que todos esses agentes estejam sujeitos aos mesmos direitos e deveres.

A medida aprovada no Congresso encontra perfeito respaldo na Constituição Federal, que não estabelece distinção entre os níveis da federação ao estipular que as Administrações Tributárias são atividades essenciais ao funcionamento do Estado, com precedência sobre outras áreas, inclusive com permissão de vinculação de receita.

Por fim, é importante esclarecer que aumentar o teto não acarreta mudança automática na remuneração dos auditores. Todos os entes devem ter leis específicas para a carreira, aprovadas em seus parlamentos, com iniciativa exclusiva do chefe de cada Poder Executivo. Portanto, o dispositivo aprovado não interfere de modo arbitrário nas estruturas estaduais e municipais. Há, em verdade, o aumento da autonomia desses entes, que seguindo seus processos legislativos poderão definir os vencimentos dos Auditores Fiscais sem travas artificiais, como os tetos políticos.

Do mesmo modo transparente que defendemos a isonomia ao longo da tramitação da Reforma Tributária, seguiremos defendendo sua importância e sua pertinência, repelindo a tentativa de dar à sua tramitação caráter sub-reptício. A reforma tributária é um avanço para o Brasil e a isonomia aprovada é condição para viabilizar sua operação.

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Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo. Leia no link para assinantes: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2024/01/nunca-foi-jabuti-a-reforma-tributaria-e-a-isonomia-entre-as-administracoes-tributarias.shtml